quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Apagão - lá e cá

Imagem da Ponte Hercílio Luz, iluminada apenas na parte continental


Com o blecaute ocorrido ontem em diversos estados brasileiros, relembrei daquele que ocorreu aqui em Floripa em outubro de 2003.
Lá se vão seis anos e revivi todo o caos decorrente.
Reproduzo aqui o que escrevi na época, contando como sobrevivi à falta de coisas corriqueiras que não nos damos conta da necessidade.
Por aqui, levei meio na brincadeira pois não tive que enfrentar o caos no transporte público, hospital, nada sério assim.
Estava no conforto da minha casa, com toda a minha família protegida.
Portanto, o "tom" brincalhão fica por conta da experiência pessoal.
Foi assim mesmo como estou contando.

É tudo verdade.

"BLECAUTE
Hoje sou obrigada a "roubar" o assunto do amigo.
Sim, haverá nesta ilha outra coisa a falar que não seja do apagão?
Três dias e duas noites de escuridão total. Senti-me praticamente em "noviórque". Estávamos com o pé no primeiro mundo.

Na quarta-feira estava em função de fazer uma transação bancária quando deu-se o infausto acontecido. De lá para cá foram dias de suplício e incredulidade.
Na primeira noite estive a ponto de cortar os pulsos com tesourinha. Não tinha um mísero radinho de pilha que me colocasse em sintonia com o que estivesse acontecendo. Nem mesmo uma prosaica lanterna, nem das potentes nem das mixurucas. Nenhuma mesmo.
A casa transformou-se numa espécie de altar de tanta vela acesa. O mau humor e o tédio desceram sobre nossas cabeças. As meninas desoladas, nem novela nem internet. A vó recolhida no seu quarto provavelmente rezando aos santos seus amigos que dessem um jeito na situação. Eu mesma que não sei ficar parada, me armei de papel e caneta e me propus a colocar a correspondência em dia. Até o pobre do Zulu andava perdido pela casa, mais covarde do que nunca, sabendo que havia algo muito errado no ar.
Tarde da noite dei-me conta que não ficaria só na escuridão, que desgraça pouca é bobagem.
E a água?
Claro, que acabando a reserva da caixa, cadê motor para puxá-la?
Tome a juntar baldes e panelas.
Quinta de manhã resolvi providenciar o kit apagão que não ia passar mais uma noite às escuras, sem informação e com mais um agravante, sem banho.
O comércio praticamente fechado, uma ou outra biboca aberta.
Saldo da peregrinação: uma lanterna, um radinho de pilha, as pilhas, água, maço de velas e caixas de fósforo. Isso tudo em vários lugares diferentes. Onde tinha lanterna não tinha pilha, onde tinha vela não tinha fósforo. Essas coisas práticas...
Como não sou muito certa da cachola cismei que ia pintar o quarto das meninas. E fiz bem isso mesmo. No meio do caos estava eu respingada de tinta com tudo revirado pela casa.
Pior, o banho foi de canequinha.
Aí veio a segunda noite de trevas.
Para nossa diversão apareceu um helicóptero com um facho imenso de luz que deve ter dado umas quatrocentas voltas aqui por cima. Já estava uma farra. Eram sinais com a laterna para os prédios das proximidades, altos papos com os vizinhos das sacadas, fotos do helicóptero cortando a escuridão. Já estava até animado.
A noite passou com o bendito radinho ligado na cabeceira da cama contando tudo o que acontecia na cidade-fantasma.
E amanhececeu o terceiro dia.
A essas alturas a pia de louça era uma montanha, escovar os dentes era com água em copo, lavar o rosto uma jogada rápida de água na cara.
Se fosse só xixi, que não se houvesse desperdícios de água. Que fosse se acumulando. Só se usasse água se o "trabalho" fosse de maior intensidade.
E veio a tarde, e com ela finalmente fez-se a luz novamente. E com a volta dela, a volta da água também. Daí para a frente foi só correr para o chuveiro mais próximo. E chegar a conclusão que é preciso muito pouco para ser feliz."

Publicado no blog "Mamãe do Zulu", já encerrado